20070827

Comprimidos Mágicos

Sentada no chão, encostou-se pesadamente na lateral da cama, abrindo os braços. Os seus dedos e a palma da mão, extra-sensibilizados pelos comprimidos, irritaram-se com a superfície áspera da colcha de flores. Por momentos sentiu-se tão leve que nem todas as suas forças conseguiram manter a cabeça direita, e esta pendeu devagar para trás, numa posição que seria normalmente desconfortável mas que agora era inevitável. Sentia uma fina camada de suor colar-lhe as dobras do corpo umas às outras, ao chão; e pequenas gotas de vapor acumulavam-se nos seios cónicos pendendo dos mamilos nus e arrepiados. A náusea ciclica misturava-se com uma agradável dor nas têmporas. Apesar de estar completamente apoiada na sua cama, sentia o corpo e o quarto a andar às voltas, como te as suas tonturas se expandissem a todo o mundo que, fundido com ela, girasse obliquamente. Tinha a impressão que por baixo dela, e espreitando ameaçadoramente por entre os tacos de madeira, um gigantesco buraco de raios liláses brilhantes se preparava para a engolir e a tudo o que existia. Mas apesar do medo, uma sensação de paz e tranquilidade atrasavam a sua respiração. Foi com a boca largamente aberta, procurando aspirar todo o oxigénio do ar, que viu uma rapariga encostada à porta. Usava um vestido curto de mais para a sua largura de pernas, cujo cabedal se enrugava à volta das coxas e nos círculos dos seios. O joelho esquerdo estava ligeiramente flectido, e fumava um cigarro da maneira mais sexy que já tinha visto. Os seus lábios redondos escarlate chupavam o tabaco deliciadamente e depois expelia o fumo pelo nariz, que subia em espirais e parecia prender-se no seu cabelo negro curto e espetado. Ela sorria sarcasticamente, mas não foi capaz de perceber de que cor eram os seus olhos. Sabia que era impossível estar ali alguém. Quando finalmente conseguiu virar a cabeça para o outro lado, ouviu as ruidosas gargalhadas da rapariga. Ria-se alto como se alguém acabasse dedizer uma piada, como se delizasse pela parede e caísse no chão, descontrolada. Os seus risos elevaram-se no ar e subiram de tom até que já não eram risos mas uma sirene ensurdecedoura. Quando voltou a olhar, só havia a velha parede branca. E foi quando a maçaneta rodou, e viu a sapatilha de um homem a espreitar atrás da porta. Conhecia aquela sapatilha de algum lado, mas não se conseguiu lembrar de onde. A dor nas têmporas aumentou e cheirou-lhe a lixo. O homem aproximou-se rápido demais para que conseguisse focar-lhe a cara, pegou-lhe no queixo com uma mão fria e beijou-a longamente. Ela esforçou-se por sentir os seus lábios, mas tinha a impressão que mesmo a bouca tinha voado para outro lado e pairava sobre eles, junto ao candeeiro. Só sentia a mão a segurar-lhe o rosto, rigidamente, e tinha a certeza que o polegar a apertava tanto que já lhe tinha furado a pele, trespassando-a até ao osso. Ele pegou-lhe cuidadosamente como a um bebé, e ela deixou-se levar, com o corpo mole e os pés e a cabeça caindo do seu regaço. Poisou-a na cama, nua como estava, e despiu-se. Ela não conseguia mover-se e muito menos abrir os olhos, mas escutou as fibras da camisola esticarem-se, eo feixo das calças abrir com dificuldade, a roupa a cair no chão. Ele deitou-se ao seu lado, com uma perna a entrelaçar-se na sua, e o seu corpo estava frio de mais. Lembra-se de pensar que dos seus beijos só sentia a pressão na pele. Era como se fosse uma concha que pairasse vazia, como se o seu espírito voasse por outros planetas enquanto o seu corpo balançava, suado, nas mãos do homem. Uma caímbra fortíssima paralisou-lhe todo o joelho esquerdo e quando tentou lá chegar deu-se conta de que ainda estava encostada à cama, com as nádegas pegajosas e as mãos estendidas. Sentia-se mal-disposta, mas menos tonta. Sentia-se livre. Mas já não tão livre, e os pés e o estômago urgiram-na a levantar-se e ir até à cozinha beber um copo de água.
Sentada nua, na cadeira forrada, pensava como seria mais fácil se pudesse falar com alguém. Se pudesse contar, mesmo a uma única pessoa, o que se passava. E sabia que gostavam dela o suficiente para a ouvir. E no entanto, sabia também que passado um mês de tudo aquilo, o peso da sua vida seria demais para eles. O peso do seu pensamento. É por isso que uma vez por semana, sentada no chão de madeira do seu apartamento, a rapariga toma os comprimidos mágicos anti-gravidade que elevam os seus pensamentos às estrelas, de onde esvoaçam rapidamente, até à semana que vem.

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