20070526

(riso)

(silêncio)

As palavras escapam às nossas bocas ou nós escapamos ao entendimento?
O que fica são perguntas em aberto. Sempre perguntas em aberto, porque as respostas multiplicam-se em palavras de costas voltadas.

Se calhar é tudo muito simples, e os meus olhos estão sujos.
Mas só vejo perguntas, e nem percepciono o sentido.

- Chorava balançando-se na janela. E ele dizia (chora, que faz bem à alma). Mas não fazia - faz bem ao corpo. Faz bem à efemeridade, à vociferação do momento, faz bem ao ponto final. E é por isso que ela chora agora. Porque às vezes ela ria, mas não para sempre. Mas ele ria sempre. E ele dizia (rir é a cura para todos os males). Mas não era - pelo menos não o riso dele.

- A culpa era dela. Nunca se deixara passar de um par de ligas vermelhas - daquelas que só se vêm nos filmes, e que só neles capturam o seu sentido. Um par de ligas vermelhas, atraentes, que circundavam a sua normalidade de um ponteado vermelho-escarlate. *Ah, se ela soubesse* E sabia. No fundo sabia que enquanto aceitasse aquele presente, seria como ele: um toque de sexo e um sorriso largo. Não um sorriso, um riso. Um gozo. E assim continuou o tempo, arrastando-a numas ligas pretas com laços vermelho-escarlate.

- E o tempo passa (mesmo sem sermos todos cães vagabundos). Mas nem muda assim tanto. O tecido é o mesmo. E ela vestia outras coisas, mas na sua mente estavam sempre as ligas. O seu fato sóbrio, preto, escurecia-lhe até a pele. Mas ele ria. E ela falava. E ele ria. E ela movia-se - e ele ria novamente. Porque tinha graça. Porque sim. Porque ela o fazia rir, incessantemente, com tudo o que dizia e fazia sem ser... chorar. (Se parares quieta) dizia ele, (se parares eu não me rio mais). Se tivesse parado de falar, se tivesse parado de dizer, de pensar - ele parava de rir. Durante uns tempos chorou - mas ninguém pode chorar para sempre. Durante uns tempos seleccionou todas as palavras que dizia à sua frente. Mas é cansativo, e passado pouco tempo, já não havia palavras. Havia

(silêncio)

e uma data de perguntas a fazer.

- Não posso chorar mais - dizia - e não posso mais ouvir-te rir. Prefiro votar-nos ao silêncio a viver como uma piada ambulante. Porque se tu não vês mais em mim do que um par de risos - e se o vês, só o mostras quando choro - eu não posso ver mais em ti do que um voto de silêncio. Não posso chorar mais - fungava - só isso. E depois chorou.

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