20070520

Paz

O certo é que nunca gostei de estar sozinha. A frase "mais vale estar sozinho que mal acompanhado" nunca se aplicou. E nem era por estar desesperada por ter uma qualquer companhia, mas sim por estar desesperada para não estar comigo.

Parecido, mas na minha opinião pior, do que não nos conhecermos a nós mesmos, é conhecermo-nos e termos medo daquilo que conhecemos - e aí está o que acontece comigo. Mas às vezes, por mais amigos que tenhamos, por mais engates e conhecidos, damos por nós sozinhos: de musica ligada e livro na mão. E assim, sozinha, como raramente estou, estava eu: deitada no meu colchão (a cama partiu-se à meses), de óculos postos, jazz ligado e livro na mão. Mas algo estava mal. Eu acordei.

Agora quando digo "acordei", o que quero dizer é... a minha alma acordou. Aquela que dorme, que é como os írrequietos demónios que só surgem quando menos são esperados. E de qualquer forma, a minha alma ouve muito bem. E ela ouviu que eu estava sozinha, escutou atentamente o silêncio do resto da casa, e espreguiçou-se. Acordou.

Estava a dizer - muito relaxada, (e daí talvez não), na minha posição normal quase adormecida. Foi quando a música se desligou. O receio miudinho que me vibrava nas veias azuis já desde cedo cresceu até se tornar num zumbido palpavél, cortante. O ar à minha volta pesou e explodiu no cão, tornando-o espesso. Não conseguia ver nada - tirei os óculos e espremi os olhos. Foi então que ouvi, claramente, como se alguém estivesse a gritá-lo ao meu lado: "O amor dói!" Foi uma voz anónima, sem sexo, sem som: e no entanto mais real e memorável que memórias reais. Ouvi-a na minha cabeça. Pensei imediatamente que devia ter ficado a dormir na casa da amiga, que tanto tinha insistido. Mas não, numa atitude sem reflexo, decidi vir dormir a casa, sozinha. Levantei-me num salto, instintivamente, e disse em voz alta, "Eu ainda estou aqui, não apareças!". Estava-me a referir, claro, ao fantasma que mora atrás do meu guarda-fato. Mas desta vez, não era ele que falava. Corri para o computador e recoloquei a musica. O som que entretanto se instalara, como um crepitar surdo com ecos limitados, calou-se subitamente. A música salvou-me, para variar. Porque a música, à noite, acalma os ouvidos da alma. E eu preciso de paz para dormir.

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