O poço dos desejos
Yoruyume-san era ainda um jovem rapaz quando encontrou um poço dos desejos atrás da casa da sua avó, no Norte. Agora, para aqueles que nunca viram um poço dos desejos, é certamente difícil imaginarem-no, mas vou tentar descrevê-lo como Yoroyume o viu: de longe, era como um muro em círculo, um muro de pedra creme rugosa, com carácteres romanos escritos em toda a sua volta. Pensar-se-ia que as suas pedras estivessem escuras e gastas como nos filmes, e no entanto eram claras e macias ao toque. De perto, via-se as magníficas pedras preciosas que tinha incrustadas no topo, e as flores raríssimas que cresciam à sua volta, bebendo a sua água mágica. Em cima tinha um pequeno tejadilho verde-escuro, que protegia do sol que (só naquele lugar) batia directamente, já que se abria uma pequena clareira entre os pinheiros selvagens. Do tejadilho pendiam finíssimos tubos de metal que ao balançarem ao vento tirlintavam. O calor abafava naquela tarde de fins de primavera, e o pequeno Yoru sentou-se ao lado do muro, à sombra do tejadilho. As tábuas de madeira estavam desenhadas a fio de ouro, e pequenas moscas-fadas brilhantes saltavam e dançavam entre elas de cabeça para baixo (porque como toda a gente sabe, o mundo das fadas é ao contrário). Encantado com as suas vozes mágicas e com as cores dos seus olhos, o menino começou a escavar no fundo do bolso das calças de ganga, até encontrar cinco escudos mesmo colados a um bocado de rebuçado derretido. Depois de a limpar convenientemente deixando apenas alguns bocadinhos de corante vermelho entre as bordas da moeda, levantou-se e espreitou lá para baixo. O poço era fundo, mas do seu fundo não vinha um ar abafado nem tropical - vinha um fumo, uma aragem fresca com odor a baunilha e a arroz doce - e a canela! Dobrou a língua, fechou os olhos com muita força e pos-se na posição em que se pedem os desejos aos poços dos desejos (de pé coxinho, com a mão direita atrás das costas e a mão esquerda o mais no ar possível). Depois gritou bem alto: "Poço dos desejos, fadas magicas do poço, concedam-me este desejo!" e abriu a mão, largando a moeda que caiu lentamente, como se o ar no poço fosse diferente. Foi então que se lembrou - mas qual desejo?! Oh não... pois sim, o pequeno Yoru esquecera-se do desejo. Girou as rodas dentadas do cérebro o mais rápido possível - queria que o pai voltasse - queria que o desenho que pintara atrás do sofá desaparecesse - queria que todos andassem atrás dele na escola:
- Quero ser feliz! -
toc!
(mesmo a tempo da moeda cair no fundo do poço)
Yoruyume-san não sabia bem porque tinha dito aquilo. Talvez ao pensar nas sardinhas da vizinha...! E as moscas-fadas ficaram de repente com um ar muito chateado e ofendido, a andarem de um lado para o outro tão depressa que até a cabeça lhe doía! Uma delas pairou no centro do poço e estendeu a mão. Parecia querer fazer as pazes, como as professoras obrigavam lá na escola. O que quer que ele tivesse feito para as ofender tanto... assim estaria resolvido. Yoruyume estendeu o braço, esticou-o o mais que pode e empoleirou-se na berma para conseguir lá chegar. Quando o seu dedo indicador tocou na pequena mão da mosca-fada, um sorriso maldoso e disforme emergiu na cara da fada, e os seus olhos tornaram-se pequeninos, pequeninos... Foi então que Yoroyume olhou para baixo e se apercebeu que caía. Mais tarde diria que a queda dentro daquele poço era como mergulhar em espuma de sabão: o as parecia feito de almofadas de penas (ou talvez esse fosse um sonho). Estava a cair, atrás da moeda, no fundo do poço mágico. E caía... caía... tão devagar que não resistiu, e, depois das lágrimas terem voado, adormeceu a fungar encostado a uma lufada de ar.
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